Para especialistas, Bolsonaro extrapola limites do Executivo ao editar decreto e comete ilegalidade
- 9 de maio de 2019
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Principal ponto de questionamento no decreto publicado nesta quarta-feira é o que amplia as atividades profissionais com direito a porte de arma
— O decreto presidencial quer modificar o conteúdo do Estatuto do Desarmamento, enquanto deveria apenas regulamentá-lo. Um decreto não pode ampliar as fronteiras de uma lei. No direito, isso é considerado uma ilegalidade passível de contestação — afirmou o advogado criminalista e professor da Escola de Direito do Brasil (EDB) João Paulo Martinelli.
Professor de Direito Penal do Mackenzie, Evandro Fabiani Capano entende que Bolsonaro deveria ter encaminhado um projeto de lei ao Congresso se quisesse ampliar a lista de profissionais que podem ter porte de arma.
— Ele está aumentando o alcance da lei por decreto, o que é ilegal. Não tenho nada contra o porte, não é essa a questão. Se o presidente quer mudar, ele muda a lei. Mas ele tá mudando a lei por decreto. Isso não pode — disse.
Procurador de Justiça em São Paulo, Marco Antônio Ferreira Lima afirma que mais do que ilegal, o decreto é inconstitucional, porque o Executivo extrapolou suas competências.
— O Executivo está fazendo as vezes do legislativo por decreto. Esse decreto será certamente judicializado.
Por se tratar de matéria polêmica e ainda haver questionamentos sobre a competência do presidente para fazer as modificações feitas por Bolsonaro, os especialistas acreditam que a contestação do decreto é uma questão de tempo.
— Acho que ele deverá ser suspenso em breve, porque qualquer ação de inconstitucionalidade que chegar no Supremo Tribunal Federal vai pedir a suspensão temporária do decreto até uma análise de mérito pelo tribunal — disse Martinelli.
O decreto publicado nesta quarta-feira revogou um outro editado em janeiro por Bolsonaro que tratava da posse de arma pelos brasileiros. Para o advogado criminalista, a segunda ampliação de requisitos para a posse de arma num prazo de quatro meses passa a imagem de uma “confusão” no governo.
— Editar um decreto e revogá-lo três meses depois por outro dá a impressão de que há uma confusão no governo — avaliou Martinelli.
O decreto de hoje amplia as situações em que se pode requerer a posse de arma no país. Se em janeiro a autorização para posse em áreas urbanas estava vinculada à taxa de homicídios, esse requisito desapareceu agora no novo texto.
Para o procurador de Justiça, é nítido que o decreto atual beneficia uma categoria específica que é a dos colecionadores, atiradores e caçadores (CAC). Pelo novo decreto, menores de 18 anos não precisam mais ter autorização judicial para praticar tiro em um clube. Passa a ser exigido apenas autorização de um responsável legal do menor.
Outro desdobramento questionado diz respeito à fiscalização das novas regras. Para Martinelli, há risco de um aumento da violação de porte de arma com a ampliação do rol de pessoas autorizadas a portar arma.
— Como já ampliamos as situações em que se pode ter a posse de uma arma, como fica a fiscalização para impedir que o uso não extrapole para o porte? Podemos ter uma onda de porte ilegal. Como controlar? — disse o advogado.
Outra lacuna, na opinião dele, é referente à ampliação dos modelos de armas acessíveis agora à população.
— Uma pessoa que tem autorização para comprar um revólver calibre 38 poderá automaticamente comprar uma pistola .40? Ou o governo vai exigir critérios de habilidade diferentes de acordo com a potência da arma? — pergunta Martinelli.
Leia a reportagem em que o advogado Evandro Capano foi um dos entrevistados no site do O Globo.